Por mais que os setores imobiliário e financeiro caminhem lado a lado, afinal, um depende do outro para gerar liquidez, crédito e investimento, a verdade é que eles ainda não falam a mesma língua. Essa desconexão, que há anos permeia as relações entre incorporadoras, bancos, fundos e investidores, gera ruídos de comunicação, desalinhamento de expectativas e, consequentemente, perda de eficiência e de boas oportunidades de negócio em toda a cadeia.

De um lado, o mercado imobiliário é guiado por variáveis físicas, tangíveis e de longo prazo: terreno, construção, cronograma, obra, entrega. Do outro, o mercado financeiro opera em um ambiente de abstrações, dados, riscos e retornos com foco em liquidez e velocidade de decisão. Enquanto o incorporador fala em VGV e cronograma físico-financeiro, o investidor fala em yield, duration, dados contábeis para analisar margens de lucro e risco ajustado. São linguagens diferentes tentando descrever a mesma realidade.

Essa falta de tradução mútua tem efeitos práticos. Por muito tempo, um bom terreno e uma boa ideia bastavam para tirar um projeto do papel. Mas essa não é mais a realidade. Projetos viáveis demoram a sair do papel por dificuldades na estruturação financeira. Gestoras deixam de aportar recursos por não compreenderem a dinâmica operacional de um empreendimento e por necessitarem de um nível diferente de transparência e governança para avaliar os projetos antes de realizarem um investimento. E o próprio crédito imobiliário, um dos pilares da economia, avança com entraves que poderiam ser minimizados com uma comunicação mais clara entre os agentes.

O desafio não é apenas técnico, mas cultural. Enquanto o mercado financeiro valoriza modelos quantitativos e previsibilidade, o mercado imobiliário trabalha com fatores muitas vezes incertos, como variação de custos, licenciamento urbano e comportamento do consumidor. Essa diferença de mentalidade faz com que, em muitos casos, o diálogo se restrinja à negociação de taxas e garantias quando, na verdade, deveria envolver uma compreensão mais ampla do negócio.

É inegável que hoje o crédito está muito mais criterioso. Converso frequentemente com alguns dos principais players do mercado de capitais, e uma coisa é muito clara: se o desenvolvedor quiser acessar esse novo capital é preciso mudar o discurso, os processos e a forma de mostrar o valor do seu negócio. Isso significa desenvolver modelos que consigam expressar o risco e o retorno de um empreendimento de forma comparável a outros ativos do mercado, sem desconsiderar suas particularidades.

A tecnologia tem um papel essencial nesse processo. Plataformas de gestão e análise de dados permitem acompanhar em tempo real o desempenho de obras, a contabilidade, os fluxos de caixa e as vendas, oferecendo visibilidade ao investidor e previsibilidade ao incorporador. Da mesma forma, a digitalização dos processos de funding e securitização tem potencial para reduzir a distância entre quem constrói e quem financia.

Mas tão importante quanto a tecnologia é a transparência. A confiança entre os setores nasce quando há clareza nas informações e alinhamento de interesses. E essa transparência começa pela contabilidade: para que o investidor consiga analisar os riscos do crédito, é fundamental ter balanços auditáveis, informações atualizadas e coerentes com os relatórios gerenciais. Além disso, os números precisam contar uma história, não basta ter um bom projeto se ele não é capaz de traduzir seu valor estratégico e econômico. O investidor quer enxergar risco, retorno e previsibilidade.

Por fim, é essencial entender que governança não é custo, é credencial de acesso. Investidor não compra promessa, compra confiança. Ter processos estruturados, controles auditáveis e clareza na gestão financeira é o que abre portas e consolida parcerias duradouras entre desenvolvedores e gestores.

O futuro do mercado imobiliário passa, inevitavelmente, por um novo modelo de colaboração com o mercado financeiro. Um modelo em que o incorporador seja visto não apenas como tomador de crédito, mas como parceiro estratégico. E em que o investidor não seja apenas fonte de capital, mas agente ativo de desenvolvimento urbano e social.

O Brasil tem um déficit habitacional relevante, um mercado interno pujante e um sistema financeiro sofisticado. Falta apenas que esses dois universos aprendam, de fato, a conversar melhor. Quando o capital entende o concreto e o concreto aprende a dialogar com o capital, todos ganham: o mercado, os investidores e, principalmente, as pessoas que sonham com um lugar para chamar de lar.






Diego Siqueira é CEO da Trinus Co.