Era uma sexta-feira quando Joana Ferreira recebeu uma ligação que mudaria sua vida para sempre. Uma chamada de “sorte”, que só quem ganhou na loteria ou fechou uma venda milionária consegue mensurar. No caso de Joana não era nenhuma dessas opções, mas algo infinitamente maior: um coração compatível para seu filho, que o tiraria da linha tênue que separa a vida da morte. Entre as cerca de 46.718 pessoas que esperam por um órgão no Brasil, Pedro Henrique Ferreira, seu primogênito de 17 anos, havia recebido um milagre.

Essa não era a primeira ligação do tipo que transforma vidas que Joana presenciara. Como gerente comercial e corretora de imóveis com anos de experiência, ela já havia visto muitas realidades mudarem a partir de uma ligação. Inclusive a sua, que havia se transformado drasticamente há quase três meses, quando recebeu a primeira chamada que, antes de te levar ao céu, te tiraria o chão.

Quando o chão se abriu

Para entender essa história, precisamos voltar para o início de junho de 2025. De Goiânia, onde Joana morava há pouco menos de 10 anos, recebeu uma chamada de Recife, sua cidade natal, onde Pedro, seu filho mais velho, estava sendo internado com o que achavam ser uma simples dor de barriga. Horas depois, a ligação retorna com a mensagem que nenhum familiar no mundo quer receber: Pedro estava sendo encaminhado para UTI com urgência, pois o problema era no coração.

“Pedro foi diagnosticado com uma insuficiência cardíaca gravíssima. Ele estava com dois derrames pleurais e o fígado muito inchado. Então, por isso a dor de barriga. Ele era uma criança saudável, que sempre fez check-ups, sempre teve os melhores acompanhamentos com os melhores médicos e nunca tinha sido diagnosticado nada”, conta Joana.

Em questão de horas, ela viu seu mundo desabar. De um dia normal, destes cotidianos, que nenhum de nós espera que seja o ponto de partida para uma guerra recém decretada, ela entendeu que precisaria largar tudo e ir, para lutar pela vida do filho. A gerente comercial da Urbs Private só teve tempo de informar no trabalho o que estava acontecendo e partiu para Recife.

De início, Pedro começou a ser tratado com medicamentos para amenizar o quadro e chegou a ter alta após alguns dias. Depois de 15 dias em casa, a situação piorou e ele precisou voltar ao hospital. “Ficamos o primeiro mês no hospital. Os médicos me chamaram para conversar e falaram que não tinha mais o que fazer com o coração do Pedro. Que ele já ia precisar de um transplante”, relata Joana.

O pesadelo, como Joana descreveu os dias que se seguiram a partir daí, foram de muitos desafios. Pedro teve algumas paradas e complicações, e precisou ser submetido a tratamentos e procedimentos invasivos. “O coração dele foi piorando muito rápido. Em duas semanas que ficou nessa fila de transplante ele já entrou no ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea), que é um dispositivo extracorpóreo, onde o sangue é circulado para fora do seu corpo, e depois volta para o corpo. Ele faz a função do coração e do pulmão”.

Os procedimentos não foram suficientes. O quadro clínico de Pedro piorava e depois da ECMO, ele foi submetido a um tratamento ainda mais forte e raro, um dispositivo chamado Impella, que fornece suporte cardíaco, que por sorte, a família teve condições de arcar. “O Impella não está no rol da OMS, o dispositivo custou mais de 200 mil reais. Ele tinha um prazo de seis a dez dias para ficar no corpo do meu filho. Só para você ter ideia, no Brasil, só duas pessoas utilizaram esse dispositivo. Foi um paciente que ficou por horas com esses dois dispositivos, o ECMO e o Impella, e Pedrinho, que ficou por todo esse tempo”.

Depois do Impella, somente um transplante seria capaz de manter Pedro vivo. “Até então, eu não sabia o que era uma fila de transplante, como funcionava. Vi a necessidade de a gente abrir o Instagram, porque eu vi que as pessoas realmente precisavam de informação sobre a doação de órgãos. E isso era a única coisa que ia fazer com que meu filho conseguisse esse órgão a tempo da gente manter ele vivo, desse dispositivo aguentar”, descreveu Joana.

O poder da informação

Joana e familiares organizaram uma campanha nas redes sociais e foram até a televisão para contar o caso de Pedro e conscientizar as pessoas sobre a doação de órgãos. Foram dias de agonia e de campanha da família, que procurou todos os meios possíveis. Durante esse processo, Joana se deparou com uma realidade muito triste, que era a negativa de algumas famílias diante da possibilidade da doação de um órgão de um ente querido, motivada, na maioria das vezes, pela falta de informação acerca do assunto.

“Existe muita negação da doação de órgãos por falta de informação. Eu posso falar para todo mundo “eu sou doadora de órgãos”, mas quem vai dar esse sim é a minha família. Essa pauta da doação de órgãos, ela precisa ir pra mesa, no almoço, no café da manhã, no jantar. Precisa ser falado. A gente não fala sobre morte na parte de doação de órgãos. A gente fala sobre vida”.

Nesse tempo de espera, Pedro perdeu cerca de 20 quilos. “Pedrinho, com toda a vontade de viver, ficou mais de 17 dias entubado. Eu precisava de um coração que coubesse no meu filho, que fosse do tipo sanguíneo do meu filho, que tivesse uma idade aproximada do meu filho”.

No Brasil, a fila de transplantes é nacional, única e regulada pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Quando um paciente, seja de qualquer classe social, localidade ou etnia precisa de um transplante de órgão, seja pelo sistema particular ou público, seu nome é cadastrado na mesma plataforma do Ministério da Saúde, no Sistema Nacional de Transplantes.

A fila é ranqueada de acordo com a gravidade de cada caso, em cada região do país. O andamento da lista ocorre com base em critérios técnicos, como: o tipo sanguíneo, compatibilidade de peso e altura, compatibilidade genética e gravidade. “Pedrinho estava priorizado em todo o Nordeste, o nível de gravidade dele era o primeiro”, lembrou Joana.

A ligação mais importante da vida

Enquanto a espera agoniante se arrastava, a saúde de Pedro piorava. “Ele estava em estado gravíssimo. Quando o dispositivo começou a falhar, a dizer “não vai dar aqui”, a equipe já estava preparada para colocar outro dispositivo nele - aí seria uma cirurgia aberta no peito - o coração compatível apareceu”, conta Joana sobre o milagre, um dos tantos que a família recebeu nesses quase 80 dias de pesadelo.

No dia 15 de agosto de 2025, Joana recebeu a ligação mais importante de sua vida. “No final de uma sexta-feira, a gente tinha tido um dia, assim, muito difícil, o médico do meu filho me ligou e disse “a hora chegou”. O pessoal saiu para a captação às três horas da manhã. Às seis e vinte o coração de Pedro estava em Recife, subindo para a cirurgia. E foi assim que meu filho recebeu um coração perfeito para ele”.

Entre as milhares de pessoas que esperam ansiosamente por esse momento, a hora de Pedro chegou. “Foram vários milagres, foram vários. E isso falado pelos próprios médicos para mim. Pedrinho recebeu o coração e ele está se reabilitando. Ele voltou quarenta e oito horas depois da cirurgia e já foi extubado. A cirurgia foi muito rápida. O coração perfeito. Deus mandou o coração para ele”, destaca Joana.

“Na hora que colocaram o coração no peito de Pedro, em 30 minutos já vieram informar que o coração dele estava batendo. E aí já foi uma grande vitória. A gente sabe que a situação de Pedro é gravíssima. Vimos a possibilidade de não ter Pedro mais. Mas, o tempo inteiro, Deus acalmou o coração da gente e dizia que essa batalha estava vencida, que a gente ia sair dela bem. E graças a Deus, a gente está caminhando para isso”.




Joana e o filho Pedro. Foto: acervo pessoal/ Joana Ferreira 

Agora, Pedro se recupera da cirurgia ainda internado no hospital em Recife, onde deve passar por tratamentos com múltiplas especialidades para reabilitação durante os próximos 30 dias. “Espera-se que nos próximos 30 dias a gente esteja em casa. Ele vai passar seis meses ainda bem guardadinho, sem poder estar exposto, evitando qualquer tipo de infecção, fazendo consultas regulares”, explica Joana. “Agora, já está na fase dois da recuperação. Leva um tempo, mas Pedrinho está sendo um guerreiro.Graças a Deus, cada dia a gente tem uma vitória. E eu não vejo a hora da gente poder voltar a ter uma vida normal”, complementou.

O que muitos chamam de sorte, Joana chama de milagre e afirma que, daqui para frente, a conscientização sobre a doação de órgãos será para ela uma missão de vida. “Somos muito gratos a essa família. No momento de muita dor, eles salvaram a vida não só do meu filho, mas de outras pessoas. Esse mesmo avião que trouxe o coração do meu filho, trouxe o fígado, os rins, que salvaram pelo menos umas quatro pessoas. Vou continuar falando sobre isso. Acho que a gente recebeu essa missão, de falar sobre doação de órgãos, e vamos continuar batendo nesta tecla”.

Junto com a nova vida do filho mais velho, Joana também ganhou a certeza de ter por perto, no mercado imobiliário, amigos especiais. “Graças a Deus eu trabalho em uma empresa maravilhosa, que me deu toda a segurança, todo o apoio, toda a parceria de sempre. Sou muito grata ao Alberto, Angelina, Leandro, Fábio e Ricardo. E, principalmente, a minha diretoria, que são meus amigos e irmãos, o Thiago Chaul e o Jorge Augusto. Não tem um dia que a gente não se fale. Eles oraram junto comigo. E isso não tem preço”.