Pedro Paulo Souza, ex-dono da Encol. Foto: Revista Veja
Quem olhava de fora via um império, uma fortaleza aparentemente construída em bases firmes e sólidas, uma empresa séria, idônea e que se consagrou como uma das maiores construtoras da América Latina nos anos 1990. Mas, como tudo que é grandioso demais e que cresce sem a sustentação necessária, a Encol, construtora e incorporadora goiana, desmoronou, ruiu deixando um rastro de destruição interna e externa.
Fundada em 1961 pelo engenheiro capixaba Pedro Paulo de Souza, a Encol se consolidou entre os anos de 1980 e teve seu auge na década de 1990. Se tornou a maior do país, com números impressionantes para a época: mais de 100 mil imóveis construídos em todo o Brasil. Cresceu em números e em credibilidade. Estampava propaganda e era bem vista entre aqueles que lutavam pelo sonho da casa própria, sendo uma das campeãs de vendas no segmento da classe média.
Arranha-céu sem base sólida
O sucesso era tanto que a empresa expandiu desmedidamente, adotando formas controversas - e mais tarde tidas como ilícitas - e foi aí que a torre de sucesso começou a dar os primeiros sinais de que iria ruir. A dinâmica adotada pela Encol era de aceitar permutas de carros e até de linhas telefônicas, que na época valiam muito, e grandes parcelamentos, usando os pagamentos de novos projetos para cobrir os antigos.
A empresa utilizava o dinheiro de um lançamento para poder bancar o segundo, e assim por diante, criando uma cadeia insustentável a longo prazo. Principalmente, porque Pedro Paulo não contava com as mudanças econômicas no país, advindas do Plano Real, instaurado em 1994.
“Nos anos 1980, o país passou pela superinflação e o dinheiro girava muito rápido e as coisas iam evoluindo e a Encol conseguiu evoluir muito rapidamente. Até o surgimento do Plano Real”, analisou o advogado especialista em Direito Imobiliário, Diego Amaral.
“Com o Plano Real, a inflação é estabilizada no país e o caixa da empresa foi secando, porque ele não tinha grandes resultados. E, quando começou a ter dificuldades financeiras, a ideia da empresa, ao invés de reduzir operações e ir diminuindo para conseguir entender o mercado, acelerou. Começaram a lançar mais obras, investir em propagandas e em muitas outras coisas e aí, naturalmente, não conseguiu se sustentar”, contou Diego em entrevista à AutImob.
Pedro Paulo Souza, fundador da Encol, condenado por crimes contra o sistema financeiro nacional. Foto: Renato Conde/ O Popular
A torre ruiu
A combinação explosiva de má gestão, sonegação e problemas financeiros levou à implosão da Encol em 1999, quando a empresa decretou falência, deixando 710 obras inacabadas, 23 mil funcionários desempregados e 42 mil clientes sem imóveis ou dinheiro. Estava iniciado um dos maiores escândalos do setor imobiliário do Brasil.
A pirâmide financeira criada pelo dono da Encol não se sustentou. “Uma auditoria muito grande na empresa revelou um rombo na casa dos bilhões de reais naquela época, porque foi identificado caixa dois, mistura de contas de empreendimentos, venda de apartamentos duplicados para duas e até três pessoas ao mesmo tempo. E aí a sequência foi natural. Os bancos começaram a cortar os créditos que tinham junto à empresa e ela não conseguiu se sustentar”, lembrou Diego Amaral. À época do escândalo, o advogado atuava em um escritório que, mais tarde, foi considerado um dos que mais conseguiram trabalhar na recuperação de empreendimentos construídos pela Encol.
Implosão interna
A dinâmica que levou ao caos foi a mesma que resultou na criação de legislações específicas que respaldassem os clientes, para que tragédias como a da Encol não voltassem a acontecer. O caso inspirou a criação de leis de proteção ao consumidor e ao setor imobiliário, como o Patrimônio de Afetação, tornando o mercado mais seguro.
Em 2004 surge a Lei do Patrimônio de Afetação, que hoje é utilizada por 99,9% das empresas que incorporam no país. “Obrigatoriamente, é necessário ter uma conta vinculada apenas àquele empreendimento, com contabilidade própria. Os bancos só financiam obras hoje se a empresa tiver patrimônio de afetação. O patrimônio de afetação é uma garantia para o próprio consumidor. A empresa pode até falir, mas aquela obra específica dela não fale mais”, explicou Diego Amaral.
Depois disso surgiram o que se utiliza mais comumente, hoje, que são as Sociedade de Propósito Específico, que junto com o Patrimônio de Afetação, travam qualquer possibilidade que isso possa acontecer, assim como aconteceu com a Encol.
Poeira que encobriu o caos
Em 2004, o dono da Encol, Pedro Paulo de Souza, foi condenado a quatro anos e dois meses de prisão em regime semiaberto pela Justiça de Goiás por crimes contra o sistema financeiro nacional. Mais especificamente, por prestar declaração falsa à Caixa Econômica Federal para obter financiamentos, pela venda de apartamentos com garantias falsas e por não recolher contribuições previdenciárias.
Apesar do grande escândalo e das proporções gigantescas de danos causados a terceiros, Pedro Paulo não cumpriu a pena. Chegou a ser preso em abril de 2010, mas foi liberado em menos de 24 horas por meio de um habeas corpus. No mesmo ano, ele lançou um livro intitulado “O sequestro: tudo o que você não sabia”, contando a sua versão da história.
Livro escrito por Pedro Paulo conta sua versão da história e foi lançado em 2010. Foto: Reprodução
Em entrevista à IstoÉ Dinheiro, no mesmo ano, Pedro Paulo relatou que “atribui sua falência a uma intrincada trama urdida por diretores do Banco do Brasil na ocasião e avalizada pelo então secretário-geral da Presidência da República do governo Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Jorge Caldas Pereira”. À época da entrevista, “falido”, ele morava em um apartamento de classe média alugado, no Setor Oeste, em Goiânia.
Vinte e seis anos depois da falência, ainda existem famílias embaixo dos escombros da Encol, lutando pelos seus direitos. Em janeiro de 2023, conforme uma reportagem do g1 Goiás, após determinação da Justiça, a massa falida da Encol se comprometeu a começar a pagar e quitar o crédito de mais de 6 mil ex-funcionários que deveriam receber até R$25 mil cada.
Em nota, a empresa afirmou ao g1 que tinha pouco mais de R$ 200 milhões em caixa, montante que seria utilizado para quitar as dívidas. De acordo com Diego Amaral, os valores restantes da massa falida da Encol são provenientes de terrenos de posse da empresa. “Quando se apurou o patrimônio de Encol lá em 1999, imaginava-se que não ia conseguir pagar tudo. Só que, no início dos anos 2000 houve um boom imobiliário de valorização muito grande de empreendimentos. Então, terrenos da Encol - inclusive um terreno perto do Oscar Niemeyer, que depois foi vendido - enfim, valorizaram muito e ela conseguiu aumentar bastante o valor de resultados”, explicou.
Clientes lesados pela Encol em manifestação. Foto: Revista Veja
Presos nos escombros
Na capital goiana, algumas famílias conseguiram ter seus empreendimentos entregues por meio de um processo aberto juridicamente, em que uma outra construtora finaliza as obras inacabadas. “Monta-se uma comissão através de uma associação criada, toma para si a incorporação, e contratam outras construtoras para finalizar a obra”, detalhou o especialista.
“Em Goiânia, eu posso citar, por exemplo, dois que me vem à cabeça agora, que foram entregues desta maneira. O empreendimento Parque dos Girassóis e o Paço das Artes. Esses dois empreendimentos eram projetos da Encol que tiveram sua recuperação trabalhada e foram finalizados por outras construtoras”. No entanto, Diego específica que nem todos os compradores tiveram a mesma oportunidade e acabaram no prejuízo eterno. “Tiveram pessoas que desistiram e, naturalmente, perderam seus imóveis mesmo, porque não tinham interesse ou condições de entrar numa associação de recuperação de empreendimento”, pontuou.
Sobre os escombros que restaram, tanto da falida Encol, quanto das famílias e ex-funcionários que foram lesados, fica uma lição e um exemplo. De case de sucesso a Encol se tornou um case de fracasso, como uma lembrança ao setor imobiliário de que grandes construções necessitam, veementemente, de bases sólidas e confiáveis.